O CONSTRUTOR INVISÍVEL: o artífice canteiro no Recife (1837–2020)
Província de Pernambuco; História social do trabalho; Ofício mecânico; Cantaria; Canteiro.
Esta pesquisa acompanha o ofício da cantaria de 1837 a 2020 no Recife, Pernambuco. Ao tratar do ofício, contempla, também, a atividade laboral dos artífices que dele se ocuparam e ainda se ocupam. No princípio desse recorte temporal, o ano de 1837 marca o começo do governo de Francisco do Rego Barros como presidente da província, um mandato que se estendeu até 1844 e foi marcado, entre outros pontos, pela chamada “campanha modernizadora” — um conjunto de transformações estruturais com as quais os conservadores projetavam modernizar o Recife aos moldes das principais cidades europeias da época. Para empreender as mudanças pretendidas, o governo implementou inúmeras ações. Entre elas, destacam-se a publicação das Posturas Adicionais e a contratação dos 195 artífices mecânicos alemães que formavam a Companhia de Operários, ambas ações empreendidas em 1839. As Posturas visavam padronizar e ordenar as construções do Recife, e os artífices alemães foram contratados com o fim de aplicá-las e de ensinar seus ofícios aos trabalhadores locais. No que se refere especificamente à cantaria, o artigo 10 das Posturas Adicionais determinava o uso de pedras lavradas nas cercaduras de portas e janelas e nas soleiras das casas. Essa imposição desencadeou forte alta na importação de pedras e na atividade laboral dos artífices canteiros pelo menos até 1850, ano que marca a inauguração do Teatro de Santa Isabel, quando entrou em declínio. Diversos fatores contribuíram para essa queda: a escassez de mão de obra qualificada, o alto custo de seus jornais, a interferência do Estado e dos artífices estrangeiros, o uso intenso do cimento, o desenvolvimento de técnicas construtivas e, mais recentemente, no início do século XX, a popularização do concreto armado. Esses fatores fizeram com que o ofício perdesse protagonismo ao longo das décadas seguintes em Pernambuco. De maneira que hoje está restrito à atuação de um pequeno grupo de artífices, os quais aprenderam a técnica do saber-fazer com o mestre Hamilton Martins, considerado uma referência na produção e no restauro de cantarias no Brasil. Com o objetivo de entender o contexto que envolve a cantaria e os canteiros na contemporaneidade, esta pesquisa acompanha, também, a trajetória do mestre Hamilton. Nesse sentido, ao abordar um ofício mecânico e seus artífices, sua atuação, seus conflitos profissionais, suas sociabilidades ao longo do tempo, do passado ao presente, este estudo se insere na História Social do Trabalho. E, ao trilhar esse percurso, dialoga com outros campos de conhecimento, sobretudo a Antropologia, a Arquitetura, a História Oral e a História do Tempo Presente.