Corpo das mulheres como campo de batalha: SOS Corpo e a atuação feminista no Recife e Olinda (1980 a 1991)
SOS Corpo; Feminismos; Relações de Gênero; Corpo.
Esta pesquisa apresenta uma investigação a respeito do corpo da mulher como um território em disputa por relações de poder. Território sobre o qual se assegurou uma sistemática dominação, perpetrada ao longo de séculos, por meio de mecanismos ideológicos, econômicos, políticos e religiosos. Parte-se da premissa de que a disputa pela colonização do corpo da mulher, em todos os âmbitos – seja biológica, social ou subjetiva - constitui o território no qual se fundou a exploração necessária para o estabelecimento do patriarcado. É estudada a condição social da mulher na perspectiva da corporeidade e da experiência de gênero – culturalmente significada - operando essas categorias analíticas com a interseccionalidade entre classe, raça e gênero.
Os percursos da politização do corpo das mulheres foram traçados por uma prática militante marcada pelas passeatas, atos públicos, e pela expressão simbólica de ruptura e insurgências ao conjunto de normatizações impostas aos corpos de mulheres. Nesse sentido, a queima de sutiãs prefigura como acontecimento simbólico do movimento feminista. Essa tese confere destaque às práticas político-educativas baseadas nos grupos de reflexão, também conhecidos como grupos de self-help. Tais grupos de reflexão foram numerosos, no Recife e em Olinda, já desde o final dos anos 1970. O autoexame foi introduzido como parte da proposição político-educativa dos grupos de reflexão. As análises sobre a condição feminina existentes no período apresentavam as noções sobre corpo, sexualidade e reprodução, de forma central. Com a isso, a prática do autoexame ganhou forte aderência dentro dos grupos de reflexão. A oportunidade de ver o próprio corpo, a vagina e o colo do útero – como uma experiência com conotação política e emancipatória - foi significativamente marcante para um grupo de mulheres, o qual se manteve reunido desde finais de 1980, vindo a se formalizar no ano de 1981, em Olinda, com o nome S.O.S / Corpo. Pouco tempo depois, foi adicionado o complemento: Grupo de Saúde da Mulher. O SOS Corpo tem em sua trajetória um longo projeto coletivo de ações políticas e educativas, efetuando a construção de conhecimento, desenvolvimento de teorias, conquistando marcos legais no plano internacional, e, políticas públicas, no plano nacional. A presente pesquisa tem como objetivo desenvolver um estudo histórico acerca do corpo das mulheres como campo de batalha política, a partir da atuação da ONG feminista SOS Corpo - Grupo de Saúde da Mulher, durante o período compreendido entre 1980 a 1991, nas cidades do Recife e de Olinda.
A maneira de atuar politicamente adotada pelo SOS Corpo se alimentou de uma atuação conjunta com outras redes, em especial, vale mencionar, a Rede Nacional Feminista de Saúde – Direitos Sexuais e Reprodutivos, fundada em 1991, da qual o SOS Corpo foi uma das organizações integrantes para a sua criação. Destaca-se também uma importante organização, fundada na cidade do Recife em 11 de agosto de 1989: o Grupo Curumim – Gestação e Parto, com a qual o SOS Corpo dividiu espaços de atuação militante. Outra organização relevante para o estudo sobre a disputa pela apropriação de corpos de mulheres é o Coletivo de Saúde Feminista – Saúde e Sexualidade, criado no mesmo ano que o SOS Corpo, na cidade de São Paulo, em 1981. Comprometido com a luta das mulheres pela apropriação de seus corpos – de forma que exercessem o poder do cuidado e da cura baseadas em decisões informadas - o SOS Corpo desenvolveu uma série de ações (campanhas, cursos, projetos educativos), dentre as quais, serão estudadas nesta tese: a) promoção de grupos de reflexão e de autoexame; b) ações educativas desenvolvidas por meio de artes e outros recursos metodológicos lúdicos; c) programas de orientação aos médicos e profissionais de saúde; d) participação na formulação de marcos legais para a saúde da mulher. É necessário destacar uma tríade de entendimentos que balizaram a atuação feminista do SOS Corpo: corpo-sexualidade-reprodução, agenciando a produção de pesquisas, teoria e trabalhos de cunho educativo e militante com grupos de mulheres das periferias do Recife, durante a década de 1980, em torno dos direitos sexuais - a liberdade para expressar e vivenciar a sexualidade com autonomia, dissociada da reprodução - e, os direitos reprodutivos – os quais estabelecem o exercício da reprodução livre de imposição e violência, a obtenção de informações, meios, métodos e técnicas para realizar ou evitar a maternidade.