A CIDADE COMO SALA DE AULA: MEMÓRIA E HISTÓRIA DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM REDENÇÃO-CE
Cidade como espaço de saber. Ensino de História. Abolição da escravidão. Narrativas de adolescentes/estudantes.
O tema desta pesquisa é a cidade como espaço de produção de saberes, lugar e objeto do ensino de história. Analisamos as narrativas de adolescentes/estudantes sobre o processo de abolição da escravidão na cidade de Redenção–CE, a primeira do Brasil a libertar todos os seus escravizados em 1º de janeiro de 1883. Em que aspectos suas leituras se aproximam ou se distanciam da historiografia oficial, da literatura didática e dos lugares de memória (Nora, 1993). Como a cidade é por eles experienciada enquanto espaço de ensino e aprendizagem da história. Levantamos a hipótese de que os documentos que narram a abolição da escravidão em Redenção–CE são reprodutores de uma narrativa colonizada, excludente, que destacam datas de “grandes eventos” e exaltam “heróis abolicionistas”, ao mesmo tempo em que silenciam as vozes dos negros escravizados e afrodescendentes. E de igual modo, que um ensino de história não-problematizador pode incorrer no mesmo erro, configurando-se como um lugar de memória e espaço de silenciamento (Trouillot, 2016). Nossa tese é que os adolescentes/estudantes reconstroem essas narrativas, as ressignificando em diálogo com o que propõe um ensino de história decolonial: desnaturalizando-as e lendo-as a partir de suas experiências sociais, incrementando reflexões como herança cultural afro-brasileira, intolerância e racismo. Objetivamos refletir, a partir das leituras dos adolescentes/estudantes, sobre essas narrativas, como a interação com a cidade, sua história e lugares de memória colabora com o ensino e a aprendizagem da história. A investigação toma por base princípios epistemológicos da perspectiva decolonial, propondo releitura crítica de processos sóciohistóricos e entendendo o ensino de história para além do espaço tradicional da sala de aula, em diálogo com a cidade e as realidades imediatas dos estudantes (Ramallo, 2016, 2017; Azevedo, 2020; Walsh, 2009, 2013). Adotamos os pressupostos teóricos e metodológicos da análise documental sugeridos pelo historiador André Cellard (2012) sobre todo o conjunto de documentos analisados. Como técnica de coleta de dados, para captar as narrativas dos adolescentes/estudantes, utilizamos entrevistas semiestruturadas (Minayo, 2020). O corpus de análise é constituído por fontes que abrangem o conjunto de narrativas sobre a abolição na localidade e seus lugares de memória: a historiografia oficial cearense, sobretudo a do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, a literatura didática e as leituras que adolescentes/estudantes fazem desse processo. Partindo de análise ainda embrionária das fontes, da historiografia oficial — sobretudo do Tomo Especial — 1º Centenário da Abolição dos Escravos no Ceará (1984), da Revista do Instituto Histórico do Ceará — e da literatura didática — por meio do livro didático Descobrindo e Construindo Redenção (2011) —, apontamos como achados incipientes: a predominância de uma narrativa colonizada, revelando uma concepção de história com características eurocêntricas, homogênea e sem conflitos; poucos relatos de resistência ou protagonismos negros, que versem sobre as condições e violências sofridas pelos escravizados; o protagonismo das narrativas é dado aos abolicionistas, predominando discurso de uma “liberdade concedida”. É notório o silenciamento de vozes negras, tal qual identificamos no histórico do ensino de história no Brasil e no Ceará.