A condição feminina na sociedade brasileira do entresséculos sob a ótica de
Júlia Lopes de Almeida
Júlia Lopes de Almeida; contos; condição feminina.
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) foi uma importante escritora brasileira que participou ativamente do cenário intelectual e literário brasileiro, em fins do século XIX e início do século XX. Com uma vasta obra, amplamente publicada em sua época, a literata foi, paulatinamente, invisibilizada pela crítica falocêntrica após a sua morte, sendo pouco encontrada nas nossas historiografias literárias. A crítica literária feminista, no entanto, tem recuperado esta e outras autoras, trazendo à luz esses nomes apagados da nossa literatura. A maioria das obras ficcionais de Júlia Lopes costuma ter personagens femininas como protagonistas, a partir das quais se pode vislumbrar a condição de vida das diversas mulheres daquele período – por um ponto de vista questionador, como pretendemos ilustrar. Tendo isso em vista, este trabalho tomou como recorte para objeto de estudo seis contos da coletânea Ânsia Eterna, livro originalmente publicado em 1903 – “Esperando”, “In extremis”, “Os porcos”, “Sob as estrelas”, “O caso de Rute” e “As rosas” –, a partir dos quais buscaremos observar a visão da ficcionista acerca dos três temas trabalhados por ela nessas narrativas: casamento burguês, abandono de mulheres mestiças e violência contra mulheres. Com base nisso, a nossa pesquisa se propõe a investigar como, através das referidas tramas, é traçada uma problemática das mulheres, de modo a evidenciar a posição crítica de Almeida quanto à condição feminina na sociedade brasileira do fin-de-siècle. Para isso, focalizamos a caracterização e as vivências das personagens femininas, bem como os recursos e as estratégias narrativas na apresentação do enredo, atentando para as mensagens subliminares e para algumas rupturas sinalizadas. Em nossas discussões, apoiamo-nos nas contribuições teóricas de Beauvoir (1967, 1970), Perrot (1991, 2003, 2005), Del Priore (2020), Telles (1992, 2004), Muzart (1990, 1995, 1996, 2014), De Luca (1997), dentre outras autoras e autores. O estudo é de abordagem qualitativa e, quanto aos procedimentos metodológicos, foi feita uma revisão bibliográfica. Ao fim, percebemos, a partir dos contos estudados, que a escritora desnuda e coloca em xeque os mecanismos de dominação patriarcal responsáveis por subjugar e oprimir o “segundo sexo”. A literata, portanto, longe de reforçar as tradições, como afirmam alguns pesquisadores, criticou-as sutilmente, com habilidade e argúcia, pois confrontar diretamente aquela sociedade androcêntrica oitocentista poderia lhe custar a fama e o sucesso que obteve entre seus/suas contemporâneos/contemporâneas.