POR MÃOS INÁBEIS: CULTURA ESCRITA E TRADIÇÃO EPISTOLAR EM PERNAMBUCO NOVECENTISTA
história social da cultura escrita; tradição discursiva; historicidade; carta pessoal; inabilidade
O presente trabalho tem como objetivo investigar e refletir sobre a prática de escrita ao tratar um corpus de sincronia passada formado por 50 cartas pessoais escritas por um casal de missivistas pernambucanos durante a primeira metade do século XX. Em especial, esta dissertação dedica-se: (i) à reconstrução do perfil sócio-cultural dos escreventes, dada a partir do cruzamento das memórias do casal, registradas por meio de uma entrevista gravada e de informações recolhidas nas próprias missivas; (ii) à tradição na escrita de cartas pessoais, ao observar a estrutura e a temática nas cartas escritas pelo jovem casal pernambucano; e (iii) à caracterização do grau de habilidade, ao investigar a produção escrita dos redatores pernambucanos. Sob o aparato teórico-metodológico da História Social da Cultura Escrita (Petrucci, 1978, 2003; Martínez, 1988; Castillo Gómez e Sáez, 2016; Castilho Gómez, 2020), diante da caracterização das mãos dos redatores (Marquilhas, 2000; Santiago, 2012; 2019), e do Modelo de Tradição Discursiva (Koch, 1997; Kabatek, 2004, 2006; 2012; Longhin, 2014), os resultados alcançados apontam para um corpus representativo quanto a prática de escrita de cartas de amor, revelando que a temática amorosa assume nuances particulares e que contribui para a complexidade e profundidade das experiências afetivas entre N (a noiva) e Z (o noivo), além de observar que os elementos estruturais perpassam o tempo mediante a sua função sociocomunicativa. De modo que, apesar de ambos os missivistas apresentarem dimensões de inabilidade com a escrita, as mãos também revelam a capacidade de escrever cartas amorosas, sendo entendida como uma tradição cultural, demonstrando que a prática de escrita de cartas não é apenas individual, mas uma herança cultural construída historicamente para atender a demandas sociais relacionadas à comunicação amorosa por meio da correspondência escrita. Portanto, a investigação realizada contribui para as discussões que se detém tanto ao campo da História Social da Cultura Escrita quanto ao Modelo de Tradição Discursiva ao apresentar dados significativos de escreventes pernambucanos inábeis com a produção de escrita de cartas amorosas na primeira metade do século XX.