A AUTORREFERÊNCIA: A CONSTRUÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO “EU” NO FANTÁSTICO ESPAÇO-TEMPO
Literatura; Enunciação; Autorreferência.
O fenômeno da autorreferencialidade implica, sob a perspectiva enunciativa de Benveniste (1988 e 1989), a remissão a uma instância de discurso assumida pelo locutor no ato individual de colocação da língua em funcionamento. Na enunciação, cada “eu” possuirá referência própria, correspondendo, a cada vez, a um ser único, proposto como tal, firmado à instância de discurso que o contém. Cada instância de emprego de um nome evoca uma noção constante e “objetiva”. Por sua vez, os índices referenciais presentes no plano semiótico da língua estão aptos à atualização de objeto singular, efeito da enunciação, e que permanece sempre idêntica na representação que desperta. A abordagem da referência e da autorreferência é feita pelo viés enunciativo. Em outros termos, referência e autorreferência são tomadas como fenômenos ligados à enunciação e não como indício de uma remissão ao mundo exterior. Na enunciação dos índices de pessoa, a referência é desdobrada entre o “eu”, que refere e é referido, que aponta e é apontado. Se, por um lado, pelo viés da teoria enunciativa, a abordagem referencial do índice “eu” deve considerar essa clivagem que o constitui, por outro, é preciso ter em conta a relação de mútua implicação que estabelece com o “tu” e ambos se opõem enunciativamente ao “ele”. Nesse aspecto, referência e significação devem ser tomadas no quadro das relações estabelecidas entre “eu” e “tu” e “eu-tu” e “ele” nos planos semiótico e semântico da língua. Do mesmo modo, na Literatura, a referência deve ser tomada como um fenômeno ligado às relações estabelecidas no interior de cada obra. Nesse sentido, em narrativas literárias, o modo com que cada personagem (se) enuncia e cria referências na relação com as demais personagens é determinante para sua constituição como sujeito na trama. Sob a ótica enunciativa benvenistiana, a língua dispõe de signos vazios de referencialidade dos quais o locutor precisa se apropriar para se constituir e se marcar como sujeito falante na relação com o outro. Logo, ao preencher o vazio referencial dos signos em estado semiótico para conversão semântica, o locutor expõe aspectos subjetivos e intersubjetivos subjacentes ao processo de apropriação enunciativa. Na trama literária, o modo com que esse processo ocorre pode revelar muito sobre a constituição das personagens como sujeito e sua relação com outras personagens. Examinaremos como se dá o processo de autorreferenciação no âmbito de uma narrativa literária e os aspectos semiológicos a ele ligados. Tomaremos por base a referência/autorreferência das personagens na obra “O quarto fechado” (2007), de Lya Luft. A partir das análises feitas, é possível observar que na trama a constituição de cada personagem está relacionada a uma personagem ausente, em decorrência de uma morte trágica. O modo com que cada personagem lida com esse acontecimento e representa essa morte/ausência é determinante de suas ações e de sua própria constituição. Isso nos leva a observar que, na obra, as significações e referências presentes em cada instância de discurso assumida comportam aspectos relativos à temporalidade e a outros elementos significantes, como a cor do local. Assim, a autorreferência deve ser tomada na relação entre os níveis semiótico e semântico da língua.